quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Erico Verissimo





“Em geral quando termino um livro encontro-me numa confusão de sentimentos, um misto de alegria, alívio e vaga tristeza. Relendo a obra
mais tarde, quase sempre penso ‘Não era bem isto o que queria dizer’.”
(O escritor diante do espelho)



Erico Lopes Verissimo nasceu em Cruz Alta (RS) no dia 17 de dezembro de 1905, filho de Sebastião Verissimo da Fonseca e Abegahy Lopes Verissimo.

Em 1909, com menos de 4 anos, vítima de meningite, agravada por uma broncopneumonia, quase vem a falecer. Salva-se graças à interferência do Dr. Olinto de Oliveira, renomado pediatra, que veio de Porto Alegre especialmente para cuidar de seu problema.

Inicia seus estudos em 1912, freqüentando, simultaneamente, o Colégio Elementar Venâncio Aires, daquela cidade, e a Aula Mista Particular, da professora Margarida Pardelhas. Nas horas vagas vai o cinema Biógrafo Ideal ou vê passar o tempo na Farmácia Brasileira, de seu pai.

Aos 13 anos, lê autores nacionais — Coelho Neto, Aluísio Azevedo, Joaquim Manoel de Macedo, Afrânio Peixoto e Afonso Arinos. Com tempo livre, tendo em vista o recesso escolar devido à gripe espanhola, dedica-se, também, aos autores estrangeiros, lendo Walter Scott, Tolstoi, Eça de Queirós, Émile Zola e Dostoievski.

Em 1920, vai estudar, em regime de internato, no Colégio Cruzeiro do Sul, de orientação protestante, localizado no bairro de Teresópolis, em Porto Alegre. Tem bom desempenho nas aulas de literatura, inglês, francês e no estudo da Bíblia.

Seus pais separam-se em dezembro de 1922. Vão — sua mãe, o irmão e a filha adotiva do casal, Maria, morar na casa da avó materna. Para ajudar no orçamento doméstico, torna-se balconista no armazém do tio Americano Lopes. Os tempos difíceis não o separam dos livros: lê Euclides da Cunha, faz traduções de trechos de escritores ingleses e franceses e começa a escrever, escondido, seus primeiros textos. Vai trabalhar no Banco Nacional do Comércio.

Continua devorando livros. Em 1923. Lê Monteiro Lobato, Oswald e Mário de Andrade. Incentivado pelo tio materno João Raymundo, dedica-se à leitura das obras de Stuart Mill, Nietzsche, Omar Khayyam, Ibsen, Verhaeren e Rabindranath Tagore.

No ano seguinte, a família da mãe muda-se para Porto Alegre, a fim de que seu irmão, Ênio, faça o ginásio no Colégio Cruzeiro do Sul. Infelizmente a mudança não dá certo. O autor, que havia conseguido um lugar na matriz do Banco do Comércio, tem problemas de saúde e perde o emprego. Após tratar-se, emprega-se numa seguradora mas, por problemas de relacionamento com seus superiores, passa por maus momentos. Morando num pequeno quarto de uma casa de cômodos e diante de tantos insucessos, a família resolve voltar a Cruz Alta.

Erico volta a trabalhar no Banco do Comércio, como chefe da Carteira de Descontos, em 1925. Toma gosto pela música lírica, que passa a ouvir na casa de seus tios Catarino e Maria Augusta. Seus primos, Adriana e Rafael, filhos do casal, seriam os primeiros a ler seus escritos.

Logo percebe que a vida de bancário não o satisfaz. Mesmo sem muita certeza de sucesso, aceita a proposta de Lotário Muller, amigo de seu pai, de tornar-se sócio da Pharmacia Central, naquela cidade, em 1926.

Em 1927, além dos afazeres de dono de botica, dá aulas particulares de literatura e inglês. Lê Oscar Wilde e Bernard Shaw. Começa a sedimentar seus conhecimentos da literatura mundial lendo, também, Anatole France, Katherine Mansfield, Margareth Kennedy, Francis James, Norman Douglas e muitos outros mais. Começa a namorar sua vizinha, Mafalda Halfen Volpe, de 15 anos.

O mensário “Cruz Alta em Revista” publica, em 1929, “Chico: um conto de Natal” que, por insistência do jornalista Prado Júnior, Erico havia consentido. O colega de boticário e escritor Manoelito de Ornellas envia ao editor da “Revista do Globo”, em Porto Alegre, os contos “Ladrão de gado” e “A tragédia dum homem gordo”, onde, aprovadas, foram publicadas.

Erico remete a De Souza Júnior, diretor do suplemento literário “Correio do Povo”, o conto “A lâmpada mágica”. Esse, segundo testemunhas, o publica sem ler, o que dá ao autor notoriedade no meio literário local.

Com a falência da farmácia, em 1930, o autor muda-se para Porto Alegre disposto a viver de seus escritos. Passa a conviver com escritores já renomados, como Mario Quintana, Augusto Meyer, Guilhermino César e outros. No final do ano é contratado para ocupar o cargo de secretário de redação da “Revista do Globo”, cargo que ocupa no início do ano seguinte.

Em 1931 casa-se, em Cruz Alta, com Mafalda Halfen Volpe. Lança sua primeira tradução, “O sineiro”, de Edgar Wallace, pela Seção Editora da Livraria do Globo. No mesmo ano traduz desse escritor “O círculo vermelho” e “A porta das sete chaves”. Colabora na página dominical dos jornais “Diário de Notícias” e “Correio do Povo”.

Em 1932, é promovido a Diretor da “Revista do Globo”, ocasião em que é convidado por Henrique Bertaso, gerente do departamento editorial da “Livraria do Globo”, a atuar naquela seção, indicando livros para tradução e publicação. Sua obra de estréia, “Fantoches”, uma coletânea de histórias em sua maior parte na forma de peças de teatro. Foram vendidos 400 exemplares dos 1.500 publicados. A sobra, um incêndio queimou.

Traduz, em 1933, “Contraponto”, de Aldous Huxley, que só seria editado em 1935. Seu primeiro romance, “Clarissa”, é lançado com tiragem de 7.000 exemplares.

Seu romance “Música ao longe” o faz ser agraciado com o Prêmio Machado de Assis, da Cia. Editora Nacional, em 1934. No ano seguinte, nasce sua filha Clarissa. Outro romance, “Caminhos cruzados”, recebe o Prêmio Fundação Graça Aranha. O autor admite a associação desse romance a “Contraponto”, de Aldo Huxley, o que faz com que seja mal recebido pela direita e atice a curiosidade e a vigilância do Departamento de Ordem Política e Social do Rio Grande do Sul, que chegou a chamá-lo a depor, sob a acusação de comunismo. São publicados, ainda nesse ano, “Música ao longe” e “A vida de Joana d’Arc”. Realiza sua primeira viagem ao Rio de Janeiro (RJ), onde faz contato com Jorge Amado, Murilo Mendes, Augusto Frederico Schmidt, Carlos Drummond de Andrade, José Lins do Rego e outros mais. Seu pai falece.

Em 1936, publica seu primeiro livro infantil, “As aventuras do avião vermelho”. Lança, também, “Um lugar ao sol”. Cria o programa de auditório para crianças, “Clube dos três porquinhos”, na Rádio Farroupilha, a pedido de Arnaldo Balvé. Dessa idéia surge a “Coleção Nanquinote”, com os livros “Os três porquinhos pobres”, “Rosa Maria no castelo encantado” e “Meu ABC”. Lança a revista “A novela”, que oferecia textos canônicos ao lado de outros, de puro entretenimento. Nasce seu filho Luis Fernando. É eleito presidente da Associação Rio-Grandense de Imprensa.

O DIP - Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo, exige que o autor submeta previamente àquele órgão as histórias apresentadas no programa de rádio por ele criado, em 1937. Resistindo à censura prévia, encerra o programa. Outra reação ao nacionalismo ufanista da ditadura Vargas se faz sentir na versão para didática da história do Brasil em “As aventuras de Tibicuera”.

Um de seus maiores sucessos, “Olhai os lírios do campo”, é lançado em 1938. Publica, nesse mesmo ano, “O urso com música na barriga”, da “Coleção Nanquinote”.

Erico passa a dedicar a maior parte de seu tempo ao departamento editorial da Globo, em 1939. Em companhia de seus companheiros Henrique Bertaso e Maurício Rosenblatt, é responsável pelo sucesso estrondoso de coleções como a Nobel” e da “Biblioteca dos Séculos”, nas quais eram encontrados traduções de textos de Virginia Wolf, Thomas Mann, Balzac e Proust. Mesmo assim, com todo esse trabalho, arranja tempo para lançar, ainda da série infantil, “A vida do elefante Basílio” e “Outra vez os três porquinhos”, e o livro de ficção científica “Viagem à aurora do mundo”.

Em 1940, lança “Saga”. Pronuncia conferências em São Paulo (SP). Traduz “Ratos e homens”, de John Steinbeck; “Adeus Mr. Chips” e “Não estamos sós”, de James Hilton; “Felicidade” e “O meu primeiro baile”, de Katherine Mansfield. Faz sua primeira noite de autógrafos na Livraria Saraiva.

Passa três meses nos Estados Unidos, a convite do Departamento de Estado americano, em 1941, proferindo conferências. As impressões dessa temporada estão em seu livro “Gato preto em campo de neve”. Ele e seu irmão Enio são testemunhas de um suicídio: uma mulher se atira do alto de um edifício quando conversavam na praça da Alfândega, em Porto Alegre. Esse acontecimento é aproveitado em seu livro “O resto é silêncio”.

A censura no estado novo continuava atenta. A Globo cria a Editora Meridiano, uma subsidiária secreta para lançar obras que pudessem desagradar ao governo. Essa editora publica “As mãos de meu filho”, reunião de contos e outros textos, em 1942.

No ano seguinte, publica “O resto é silêncio”, livro que merece críticas pesadas do clero local. Temendo que a ditadura Vargas viesse a causar-lhe danos e á sua família, aceita o convite para lecionar Literatura Brasileira na Universidade da Califórnia feito pelo Departamento de Estado americano. Muda-se para Berkley com toda a família.

O Mills College, de Oakland, Califórnia, onde dava aulas de Literatura e História do Brasil, confere-lhe o título de doutor Honoris Causa, em 1944. É publicado o compêndio “Brazilian Literature: An Outline”, baseado em palestras e cursos ministrados durante sua estada na Califórnia. Esse livro foi publicado no Brasil, em 1955, com o título “Breve história da literatura brasileira”.

Passa o ano de 1945 fazendo conferências em diversos estados americanos. Retorna ao Brasil.

Em 1946, publica “A volta do gato preto”, sobre sua vida nos Estados Unidos.

Inicia, em 1947, a escrever “O tempo e o vento”. Previsto para ter um só volume, com aproximadamente 800 páginas, e ser escrito em três anos, acabou ultrapassando as 2.200 páginas, sob a forma de trilogia, consumindo quinze anos de trabalho.  Traduz “Mas não se mata cavalo”, de Horace McCoy. Faz a primeira adaptação para o cinema de uma obra de sua autoria: “Mirad los lírios Del campo”, produção argentina  dirigida por Ernesto Arancibia que tinha em seu elenco Mauricio Jouvet e Jose Olarra.

No ano seguinte, dedica-se a ordenar as anotações que vinha guardando há tempos e dar forma ao romance “O continente”. Traduz “Maquiavel e a dama”, de Somerset Maugham.

”O continente”, primeiro volume de “O tempo e o vento”, é finalmente publicado, em 1949, recebendo muitos elogios da crítica. Recebe o escritor franco-argelino Albert Camus, autor de “A peste”, em sua passagem por Porto Alegre.

No ano de 1951, é lançado o segundo livro da trilogia “O tempo e o vento”: “O retrato”. O trabalho não tão bem recebido pela crítica como o primeiro livro.

Assume, em 1953, a convite do governo brasileiro, em Washington, E.U.A., a direção do Departamento de Assuntos Culturais da União Pan-Americana, na Secretaria da Organização dos Estados Americanos, substituindo a Alceu Amoroso Lima.

No ano seguinte, é agraciado com o prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra. Lança “Noite”, novela que é traduzida na Noruega, França, Estados Unidos e Inglaterra. Visita, face às funções assumidas junto à OEA, diversos países da América Latina, proferindo palestras e conferências.

De volta ao Brasil, em 1956, lança “Gente e bichos”, coleção de livros para crianças. Sua filha casa-se com David Jaffe e vai morar nos Estados Unidos. Dessa união nasceriam seus netos Michael, Paul e Eddie.

Em 1957, publica “México”, onde conta as impressões da viagem que fizera àquele país.

”O arquipélago”, terceiro livro da trilogia “O tempo e o vento”, começa a ser escrito em 1958. Tem um mal-estar ao discursar na abertura de um congresso em Porto Alegre. Consegue se refazer e disfarçar o ocorrido.

Acompanhado de sua mulher e do filho Luis Fernando, faz sua primeira viagem à Europa, em 1959. Expõe sua defesa à democracia em palestras proferidas em Portugal e entra em choque com a ditadura salazarista. Lança “O ataque”, que reunia três contos: “Sonata”, “Esquilos de outono” e “A ponte”, além de um capítulo inédito de “O arquipélago”. Passa uma temporada na casa de sua filha, em Washington.

Dedica-se, em 1960, a escrever “O arquipélago”.

Em 1961, sofre o primeiro infarto do miocárdio. Após dois meses de repouso absoluto, volta aos Estados Unidos com sua mulher. Saem os primeiros tomos de “O arquipélago”.

O terceiro tomo de “O Arquipélago” é publicado em 1962, concluindo o projeto de “O tempo e o vento”. O volume é considerado uma obra-prima. Visita a França, Itália e a Grécia.

A mãe do biografado falece em 1963.

Em 1964, seu filho Luis Fernando casa-se com Lúcia Helena Massa, no Rio de Janeiro, cidade para a qual ele se mudara em 1962. Dessa união nasceriam Fernanda, Mariana e Pedro. Insurge-se contra o golpe militar e dirige manifesto a seus leitores em defesa das instituições democráticas. Recebe o título de “Cidadão de Porto Alegre”, conferido pela Câmara de Vereadores daquela cidade.

Ganha o Prêmio Jabuti – Categoria “Romance”, da Câmara Brasileira de Livros, em 1965, com o livro “O senhor embaixador”. Volta aos Estados Unidos.

A convite do governo de Israel, visita aquele país em 1966. Vai aos Estados Unidos, mais uma vez, visitar seus familiares. Escreve “O prisioneiro”, que seria lançado em 1967. A Editora José Aguilar, do Rio de Janeiro, publica, em cinco volumes, o conjunto de sua ficção completa. Desse conjunto faz parte uma pequena autobiografia do autor, sob o título “O escritor diante do espelho”.

”O tempo e o vento”, sob a direção de Dionísio Azevedo, com adaptação de Teixeira Filho, estréia na TV Excelsior, em 1967. No elenco, Carlos Zara, Geórgia Gomide e Walter Avancini.

É agraciado com o prêmio “Intelectual do ano” (Troféu Juca Pato”), em 1968, em concurso promovido pela “Folha de São Paulo” e pela “União Brasileira de Escritores”.

No ano seguinte, a casa onde Erico nascera, em Cruz Alta, é transformada em Museu Casa de Erico Verissimo. Lança “Israel em abril”.

Em 1971, é editado o livro “Incidente em Antares”.

Em 1972, comemorando os 40 anos de lançamento de seu primeiro livro, relança “Fantoches”, onde o autor acrescentou notas e desenhos de sua autoria.

Amplia sua autobiografia, publicada em 1966, fazendo surgir suas memórias — sob o título de “Solo de clarineta” — cujo primeiro volume é publicado em 1973.

O escritor falece subitamente no dia 28 de novembro de 1975, deixando inacabada a segunda parte do segundo volume de suas memórias, além de esboços de um romance que se chamaria “A hora do sétimo anjo”.

Carlos Drummond de Andrade faz homenagem ao amigo fazendo publicar o seguinte poema:

A falta de Erico Verissimo

Falta alguma coisa no Brasil
depois da noite de sexta-feira.
Falta aquele homem no escritório
a tirar da máquina elétrica
o destino dos seres,
a explicação antiga da terra.

Falta uma tristeza de menino bom
caminhando entre adultos
na esperança da justiça
que tarda - como tarda!
a clarear o mundo.

Falta um boné, aquele jeito manso,
aquela ternura contida, óleo
a derramar-se lentamente.
Falta o casal passeando no trigal.

Falta um solo de clarineta.

Postumamente, é lançado, em 1976, “Solo de clarineta – Memória 2”, organizada por Flávio Loureiro Chaves.

”Olhai os lírios do campo”, com adaptação de Geraldo Vietri e Wilson Aguiar Filho, é a novela apresentada pela TV Globo, em 1980, sob a direção de Herval Rossano. No elenco, Cláudio Marzo e Nívea Maria.

A esposa do autor, Mafalda, e a professora Maria da Glória Bordini, da PUC-RS, iniciam a organização dos documentos por ele deixados, em 1982.

É instalado, no programa de Pós-Graduação em Letras da PUC-RS — como projeto de pesquisa do CNpQ, o Acervo Literário de Erico Verissimo, em 1984. A coordenação fica a cargo da professora Maria da Glória Bordini.

No ano seguinte, a Rede Globo leva ao ar a série “O tempo e o vento”, adaptação de Doc Comparato e Regina Braga, direção de Paulo José, com Glória Pires, Armando Bogus, Tarcísio Meira e Lima Duarte, entre outros.

Em 1986, o Museu de Cruz Alta torna-se Fundação Erico Verissimo.

O índice de toda a obra de Erico é informatizado através do Projeto Integrado CNpQ – Fontes da Literatura Brasileira, que o disponibiliza para consulta, em 1991.

Em 1994, seu filho Luis Fernando assume a presidência da Associação Cultural Acervo Literário de Erico Verissimo, entidade encarregada de cuidar de toda a documentação literária do escritor. “Incidente em Antares”, adaptado por Charles Peixoto e Nelson Nadotti, com direção de Paulo José e constando de seu elenco Fernanda Montenegro,e Paulo Betti, é apresentada pela Rede Globo.

A UFRS homenageia o autor, pela passagem dos 90 anos de seu nascimento, com uma mostra documental no salão de sua Reitoria. A PUC-RS realiza seminário internacional, coordenado por seu Programa de Pós-Graduação em Letras, em 1995.

Organizada por Maria da Glória Bordini, publica-se, em 1997, “A liberdade de escrever”, coletânea de entrevistas do autor sobre política e literatura.

Em 2002, a Globo inicia a edição definitiva da obra completa do autor. É inaugurado o Centro Cultural Erico Verissimo, destinado à preservação do Acervo Literário e da memória literária do Rio Grande do Sul.


Morre Mafalda Verissimo, viúva do escritor, em 2003.



Olhai os lírios do campo” é um clássico da literatura brasileira modernista com um título poético, que recorda um trecho da Bíblia (Mateus 6,24-34), que é um resumo perfeito para a história de um materialista que estragou o presente por medo do futuro


quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Harry Potter e A Criança Amaldiçoada


Editora: Rocco

ISBN: 9788532O oitavo livro da saga e os desafios de se lidar com a nostalgia de uma geração de leitores


          Um dos lançamentos mais aguardados do ano pelos fãs brasileiros, a edição traduzida de Harry Potter e a Criança Amaldiçoada finalmente chegou às livrarias do país. A julgar pelos eventos que lotaram as lojas na virada de domingo para segunda e a aposta da Rocco para esta edição, o apelo da saga criada por J.K Rowling ainda segue muito forte, e o livro tudo para ser um dos grandes sucessos de vendas no último trimestre de 2016. Porém, o provável sucesso comercial do livro vem acompanhado de um questionamento: Qual é o objetivo de Harry Potter e a Criança Amaldiçoada?         
          A história se passa 19 anos depois dos acontecimentos de Harry Potter e as Relíquias da Morte, sétimo volume da série lançado em 2007. Agora quarentão, Harry é um atarefado funcionário do Ministério da Magia, casado com Gina Weasley e pai de três filhos: Tiago, Lílian e Alvo, um adolescente atormentado com o peso de ser filho de um dos maiores bruxos do mundo. Atentos ao fato de que a maior parte dos fãs originais da saga agora beiram os 30 anos, Jack Thorne e John Tiffany mantém Harry, Ron e Hermione por perto, recriando a química entre os três e acertando em cheio na nostalgia dos fãs.
          É reconfortante ver Hermione se transformar em uma mulher forte e importante dentro do universo bruxo, confirmando o que muitos já suspeitavam desde o desenrolar da série original de J.K Rowling. Por outro lado, Ron é pintado como uma pessoa caricata, e em muitos momentos serve como um alívio cômico desnecessário. Já Harry continua a figura inconstante de sempre, mas é nos diálogos com seu filho Alvo que vemos surgir um personagem humano e frágil, que sofre por não ser um modelo ideal de pai e falha em conseguir construir um diálogo significativo com seu filho. Também é importante falar sobre Escórpio Malfoy, personagem com personalidade bem definida e uma das grandes surpresas não só deste livro mas de toda a saga Harry Potter. 
          Porém, se os idealizadores da peça conseguem criar uma história mais madura e centrada nos personagens em detrimento de elementos mágicos, a sensação é de que Harry Potter e a Criança Amaldiçoada não é exatamente o "oitavo livro da saga". Deixando de lado a constatação de que um texto teatral normalmente não é tão rico como uma prosa, os criadores da peça derrapam ao tomar algumas decisões problemáticas na narrativa. Além de apresentar soluções fáceis para grandes desafios, a conexão entre Delphi e Voldemort não é das mais plausíveis. Para quem leu os livros, ter conhecimento do passado "emocional" de um vilão tão desprovido de sentimentos como Voldemort parece sem propósito. Vale notar também o negligenciamento de Tiago e Lílian, irmãos de Alvo, e da construção de Gina como uma personagem absolutamente periférica, sem peso no enredo.
          Não existem dúvidas de que os outros sete livros da saga – com seus 450 milhões de unidades vendidos pelo mundo – foram importantes para a formação de toda uma geração. No entanto, é difícil de aceitar que Harry Potter e a Criança Amaldiçoada deva ser tratado como o mais novo livro da série. A obra é uma grande oportunidade para rever alguns dos personagens preferidos da ficção deste século, mas só isso. Se o leitor quiser reviver a magia de Harry Potter, deverá retornar aos sete romances originais.

Ficha técnica
Autor da obra: J.K Rowling
Editora: Rocco


ISBN: 9788532530431530431

O patrulhamento ideológico sobre a atividade docente



O famigerado Programa Escola sem Partido é amparado numa absurda justificativa de combate à ideologização educacional – como se educação fosse uma atividade desprovida de bases ideológicas – que, contraditoriamente, é amparado em uma perspectiva ideológica.Se diz contra a doutrinação mas prevê a doutrina da mordaça e o tolhimento da autonomia da atividade docente.

Claro que fazer apologia partidária, proselitismo religioso ou militância de movimento político no ambiente escolar e no processo formativo dos jovens é uma postura digna de críticas e certamente é uma prática que deve ser coibida pontualmente, quando ocorrer e quando for devidamente configurada a prática. Mas o que surge com esse “movimento” não é isso e sim uma atuação generalizante de enquadrar ideias e posturas ideológicas que não agradam aos promotores dessa perspectiva. Já há efeitos dessa mentalidade em propostas de criminalização de ideias e, óbvio, de enquadramento de professores.

A censura estúpida apregoada como postura a ser implantada e imposta nas escolas virou proposta de alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) através de um Projeto de Lei do senador Magno Malta que é lastreado por justificativas insustentáveis fora do aspecto meramente opinativo e – obviamente – ideológico e doutrinário do próprio patrocinador da proposta legal. O projeto contém erros crassos como o emprego da ideia ultrapassada de “opção sexual” (aludindo ao fato de que professores podem induzir “opções sexuais”) e do princípio de que a escola deve promover parâmetros morais religiosos sob a incrível alegação de que não há moralidade fora da religião. Pelo projeto escolas e professores estarão sujeitos a um incessante patrulhamento de suas posturas e não apenas de suas atividades por meio “julgamentos” exatamente fundamentados em parâmetros ideológicos, o que é obviamente uma contradição absurda se a alegada proposta de instituir o Programa Escola sem Partido tem como objetivo o “combate à ideologização”.

Na prática a proposta gera um ambiente anti-democrático e limitado para o processo educacional, mas não cumpre a falsa promessa de lidar com a ideologização, uma vez que é claramente ideológico e obscurantista, mas já houve um tempo em que o obscurantismo ideológico vigiava nossas escolas. Não podemos aceitar o retorno disso.


Não podemos impedir que a escola seja um ambiente para a discussão de ideias, para a valorização e respeito ao amplo espectro de diversidades, para a construção de tolerância e convivência construtiva. Esse projeto é o oposto a tudo isso.

auto-reflexão


A morte de D. Pedro II, na visão de seu neto, Pedro Augusto

Figura trágica da monarquia brasileira, Pedro Augusto de Saxe-Coburgo e Bragança foi preparado para suceder ao avô, dom Pedro II. Bonito e culto, mas frágil emocionalmente, esse filho da princesa Leopoldina, que deveria tornar-se dom Pedro III, acompanhou de perto a morte do imperador do Brasil no exílio, em Paris. Seu testemunho pode ser lido nesta carta à tia, a duquesa Alexandrina de Saxe-Coburgo e Gotha. 


Paris, 29 de dezembro de 1891
Minha querida tia,
Devo pedir-lhe mil desculpas por meu atraso. Acredite, foi devido ao estado de tristeza e ao repouso no qual me encontro desde a catástrofe do dia 5 deste mês.
Faço questão também de agradecer-lhe de todo o coração essas novas demonstrações de afeto quase maternais.
Minha carta parecerá talvez insuficiente para exprimir todos os meus sentimentos. Por favor aceite-a como ela é, na minha sinceridade sem palavras.
Saí de Viena no dia 30 de novembro após ter recebido uma correspondência anunciando que o imperador se debilitava à vista d’olhos.
Quando cheguei em Paris, no dia 1º à noite, o imperador deitado me pareceu relativamente bem. No dia seguinte, seu aniversário, ele passou muito bem e sua majestade conversava ainda relativamente animado. A doença começou a se agravar pela noite do dia 4 (febre de 39º, falta de ar).
No dia 4, por volta do meio-dia, a febre subiu de repente para 41º e a pneumonia atingiu também o outro pulmão. Desde então, os médicos perderam toda a esperança. Às 4 horas, o imperador perdeu a consciência e após uma longa luta, deu o último suspiro à meia-noite e meia (de 4 para 5 de dezembro) tendo recebido todos os sacramentos da igreja, e cercado pelo tio G.,[1] tia Isabel, por mim e outras pessoas da sua casa.
Gusty[2] estava bastante doente em Viena e não pôde vir. Ele está melhor, mas ainda não está saindo, pois foi acometido de uma forte angina. Imediatamente após o falecimento de sua majestade, todas as formalidades foram cumpridas pelos oficiais de sua casa e recobriram o corpo com a bandeira imperial. O que foi muito bom.
Vinte e quatro horas depois, foi feito o embalsamamento e o imperador foi colocado na capela ardente vestido de general-chefe, com todas as suas condecorações brasileiras. Grande afluência de pessoas para vê-lo e inscrever-se nos registros.
No dia 8 à noite, o corpo foi transportado para a Madeleine e, no dia 9 às 11 horas, foi celebrada a cerimônia solene à qual o senhor d’Ébart assistiu imediatamente ao lado do corpo diplomático. Aproveito o parêntese para agradecer de novo ao tio por essa atenção e acrescentarei que agora, mais do que nunca, espero também seu apoio quando a ocasião se apresentar. O funeral, se foi bem-sucedido, deve-se ao barão de Estrela, que se superou.
Será que minha tia não poderia obter do tio que ele passe de comandante de 1ª classe da Ernestine para comandante da Grã-Cruz?
Meu pedido seria inconveniente?
Após a cerimônia, o corpo foi conduzido para a Estação de Orleans com todas as honras reais por ordem do governo francês e, às 8 horas, um trem especial partiu para Irun. Durante todo o nosso trajeto na Espanha, todas as honras reais foram prestadas e na estação de Madri todas as autoridades se achavam reunidas.
Em Lisboa, também, tudo se passou muito bem.
Na volta, paramos em Madri, onde a rainha Regente foi muito amável.
O mais triste é pensar que o imperador morreu no exílio e meu coração está cheio de tristeza. Em seus últimos momentos, pude compreender ainda melhor do que antes a grandeza de sua alma. Depois dele, não virá ninguém que a ele possa ser comparado. Apesar do seu desaparecimento, parece-me que ele ainda permanece perto de mim no meu pensamento e isso me consola, me fortifica e me dá esperança para o futuro.
Diga, por favor, mil coisas e amizade ao tio e creia-me
Seu muito respeitoso e devotado sobrinho
Pedro
P.S.: Meus melhores votos para o dia de ano.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, v. 238, jan.-mar., 1958, pp. 447-449.
[1] N.S.: Gastão de Orleans (1842-1922), Conde d’Eu, marido da princesa Isabel, filha de dom Pedro II.
[2] N.S.: Apelido que a princesa Leopoldina, filha de dom Pedro II e mãe de Pedro Augusto, deu a seu marido, Luís Augusto de Saxe-Coburgo e Gotha (1845-1907).